Ainda não me vi ao espelho
Ainda não me vi ao espelho. Sinto-me estonteada, esqueço-me do que aconteceu há cinco minutos, como se fosse um peixe. Depois lembro-me:
- Sonho.
Mas este não acaba. Posso controlar tudo o que faço, decidir, escutar-me nitidamente, cheirar. Belisco-me e claro que me dói. Lembro-me que naquele filme chamado Waking Life, onde a personagem principal não conseguia acordar de um sonho, e onde não era possível acender ou apagar luzes, pois nos sonhos os interruptores nunca funcionam. A minha mãe arruma as minhas coisas e eu vou até à porta do quarto tentar acender a luz. Pressiono o interruptor e a lâmpada explode. A minha mãe solta um grito. Eu encolho os ombros.
- Claro. – comento, de mim para mim.
- O que fizeste, filhota? – pergunta-me a minha mãe.
- Nada. – respondo-lhe. – Quis acender a luz, mas a lâmpada devia estar velha.
- Acender a luz com este sol? Para quê?
Mas não lhe respondo. Em vez disso pergunto-lhe se podemos ir embora.
- Sim, preta, o teu pai já vem.
- O meu pai?
- Sim, o teu pai chegou ontem à noite. Está muito preocupado contigo.
- Chegou de Portugal?
- Não, Lara, chegou do Texas. Mas não te preocupes, dentro de uns dias já te vais lembrar de tudo.
Sinceramente, o que me interessa a mim lembrar-me de tudo, se tudo não passa de um sonho persistente? Tanto me faz que o meu pai tenha vindo de Portugal, como do Texas, como da China. É-me indiferente. Quando acordar, nenhum pormenor fará grande diferença, e vou passar um dia inteiro a descrever tudo isto no meu livro dos sonhos. Agora talvez seja melhor aproveitar o reencontro, ainda que virtual, com a minha mãe. Entreter-me a fazer perguntas a todas as personagens irreais que falam comigo. Talvez consiga voar. O pior é este enjôo na cabeça. Piso algo no chão que estala. São vidrinhos. O que estão vidrinhos a fazer no chão? Depois lembro-me da lâmpada que explodiu.
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