O Berto vai ter a minha casa à hora de almoço
O Berto vai ter a minha casa à hora de almoço e conta-me que a Fausta hoje voltou a dizer-lhe que tem a certeza que ele a anda a enganar e depois começou a chorar novamente.
- Já não consigo mentir-lhe mais, Alice.
- Então vais contar-lhe a verdade?
- Acho que sim. E depois ela deixa-me, mas pelo menos isto acaba. Estou farto.
- Também eu.
- Antes não tinha namorada nenhuma, sempre achei que era feio, e agora tenho duas!
- Pobrezinho!
- Não gozes!
- Estava a brincar.
- O pior é que no meio desta merda toda às vezes também me dá vontade de rir. Passo por cá às seis e meia, depois de falar com ela, está bem?
- Está.
Às seis e meia não aparece. O telefone toca e é ele. Diz-me que está com a Fausta a ligar duma cabine e que lhe contou tudo. Pede-me para ir ter com eles ao Jardim dos Prazeres. Saio de casa e desço a minha rua. Atravesso a estrada e entro na parte de cima do jardim. Eles estão na parte de baixo, sentados num banco. Vou lá ter e sento-me também. O Berto fica no meio. A Fausta levanta-se e diz-me, com uma cara muito séria:
- Obrigada por vires, Alice.
E de seguida põe-se a discutir com o Berto e começo a pensar que não estou ali a fazer nada. Digo que me vou embora mas ela interrompe a discussão e pede-me que fique. Volta a sentar-se e começa a falar comigo, com o Berto sempre no meio:
- É que acho que esta conversa te diz respeito e quero que saibas que acho que a culpa não é tua.
- Porquê? – pergunto-lhe.
- Porque pelo que o Berto me contou tu não provocaste nada, e quem tem andado a enganar-me é ele, não tu, pois nós as duas não temos propriamente uma relação.
Depois olha para o Berto:
- Tu é que andaste a brincar connosco e na minha opinião não gostas de ninguém.
- Sabes bem que isso não é assim, Fausta.
Começo a ver a Laura, o Branco, e o Jove a subirem a rua do liceu e a encaminharem-se para o jardim. Fazem todos uma cara espantada quando nos vêem aos três e sentam-se noutro banco longe de nós a fumar cigarros. A Fausta continua:
- E agora, Berto? Quem é que vai ficar bem nesta história toda?
- Não sei.
- E o que é que vamos fazer?
- Não sei, Fausta.
- Então quem sabe?
- Nós os três.
Ela olha para mim. Digo-lhe:
- Eu e o Berto acabámos ontem, Fausta. Ele quer ficar contigo.
- É mesmo isso que tu queres, Berto?
Ele responde-lhe que sim.
- E como é que alguma vez vou poder voltar a confiar em ti?
- Não sei.
- E como é que fica a Alice no meio disto tudo? Achas justo?
- Não.
Ficamos os três calados durante um bocado, sem saber que mais dizer. Até que a Fausta conclui:
- Eu não consigo acabar contigo, Berto.
Silêncio por mais uns momentos.
- Sei que não gostas de mim, porque se estivesses apaixonado não sentias necessidade de estar com mais ninguém.
- Não é verdade, Fausta.
- Mas não consigo deixar-te, Berto, porque gosto de ti.
Olha para mim novamente:
- Alice, não sei o que dizer, mas isto aconteceu e continuo a ser tua amiga.
Então eles vão-se embora os dois e eu vou ter com a Laura e com os outros. Juro que me sinto numa peça de teatro que passa à próxima cena. Pergunto à Laura se posso falar com ela, e ela levanta-se e vem comigo sentar-se no banco onde estive com a Fausta e com o Berto. O Martim e o Luca chegam entretanto e sentam-se com o Jove e com o Branco. Olho para a Laura, para os seus belos olhos escuros meio cobertos por caracóis compridos, e pergunto-lhe se está zangada comigo. Ela responde-me:
- Talvez esteja tão zangada contigo como tu comigo.
- Gostavas mesmo do Marco?
- Não. Quer dizer, não sei, confundi-me. Mas fiquei lixada com vocês!
- Eu gostava mesmo do Dinis.
- Eu sei.
- E agora?
- Falei com o Marco e está tudo bem.
- Voltaram?
- Não.
- O Berto hoje contou tudo à Fausta.
- Já percebi. Como é que te sentes?
Encolho os ombros e digo:
- Tenho que falar com o Jove.
- Fazes bem. Ele devia parar de dizer merdas.
Levantamo-nos e ela acrescenta, com um sorriso:
- E vê lá se não te metes comigo outra vez, Alice no País das Maravilhas, porque tu és mais alta mas eu sou mais gorda!
- Está bem, Laura Love.
Sorrio-lhe e vamos as duas ter com os outros. Pergunto ao Jove se posso falar com ele e ele diz que sim e segue-me para o banco dos réus. Não estou para meias conversas e digo-lhe:
- Acho que mal me conheces e não tens nada que andar a espalhar boatos sobre mim, Jove!
- Foi assim tão mau?
- Foi.
- Mas não era mentira.
- Mas disseste a verdade sem contexto nenhum!
- Não foi por mal, mas pronto, não volto a fazer.
- Ainda bem.
Levantamo-nos os dois com uma cara semi-séria e vamos ter com os restantes. Eles vão todos para as Amoreiras, menos a Laura, que me pergunta se quero ir até casa dela. Respondo-lhe que sim, e nem sequer seguimos pelo mesmo caminho que eles. A mãe da Laura está mal disposta. Discutem na cozinha, eu sigo para o quarto, e depois a Laura vem ter comigo e começa a chorar. Fico sem saber o que fazer. Faço-lhe uma festa no ombro e pergunto-lhe:
- O que foi?
- Ela anda armada em parva. – desabafa.
Seca as lágrimas e senta-se na cama ao pé de mim. Todo o quarto é um amontoado de roupa espalhada pelo chão. As prateleiras estão vazias. As paredes estão cobertas de frases escritas por cada pessoa que ali entrou, outras pela Laura, e algumas pinturas e desenhos. Pergunta-me:
- Queres ver o meu livro de poemas?
Respondo que sim e vai buscá-lo. Abre-o ao meu lado e lê-me alguns dos seus preferidos. Depois, como pareço gostar, empresta-me o livro para eu acabar de o ler em casa, porque tem mesmo muitos poemas e todos parecem interessantes. Há um que se chama Agora que Acabou, e faz-me lembrar do Berto.
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