A minha mãe está doente
A minha mãe está doente, não sabe o que tem nem quer saber. Só sabe que tem medo. O Verão está quase a terminar e os dias estão frios. O tio do Carel mandou-lhe uma carta a dizer que se nós não sairmos do prédio em quinze dias chama a polícia.
- Tens que ir para Portugal e levar a Luna. –diz a minha mãe. - Tens que pedir ao teu pai que te ajude.
- Nem penses. – respondo-lhe. – Quando saí de casa foi para nunca mais voltar.
- Então pede ao Romão que te ajude. Ele é o pai da Luna.
- Também o deixei a ele. Não volto atrás.
- E nesse caso vais fazer o quê, podes dizer-me?
- Não sei.
- Eu e o Luca vamos viver no hotel onde tu trabalhaste, não temos dinheiro para tomar conta de ti e da Luna, tu já não nem tens emprego, como é que te vais sustentar?
O meu estômago contrai-se e os meus olhos começam a ficar cheios de lágrimas. Viro-lhe as costas sem lhe responder. Desço as escadas e saio. Faz um sol morno de princípios de Outono, e olho para a minha longa sombra enquanto caminho sem destino, ao longo do canal ao fim da rua. Hoje não tenho dinheiro nem para comprar fraldas para a Luna. As lágrimas saltam-me dos olhos e tenho que me sentar na entrada de um prédio com a cara escondida entre os braços. Choro. Não sei que mais fazer. A Priscila também foi despedida porque acabou o Verão e não há turistas. Ela vive em quartos de hotel com o namorado e não me pode ajudar. A minha mãe está doente e assustada, o Luca não tem dinheiro para comermos. O Carel não consegue convencer o tio a deixar-nos ficar no prédio. E então ouço:
- Hello, beautiful girl, why are you crying?
Olho para cima e vejo dois viciados em heroína a sorrirem-me com um ar interessado.
- I don’t have money to buy diapers for my baby.– respondo-lhes.
- Oh, don’t worry, we can help you! – dizem-me. – We can take you to a hospital, they will give you some diapers! Wanna come with us?
- OK. – aceito, e levanto-me. Eles sorriem-me, contentes não sei bem com o quê. Devem ser os dois viciados em heroína mais felizes e energéticos que já vi. Levam-me até à Estação Central, onde apanhamos o metro sem pagar. Saímos quatro paragens depois, em Wibautstraat, e andamos um pouco até ao hospital. Eles entram, comigo atrás, sem perguntarem nada a ninguém e põem-se a percorrer corredores como se fossem enfermeiros. Levam-me à secção dos bebés, e então encontram uma enfermeira pelo caminho e pedem-lhe fraldas. Ela olha-nos com um ar um tanto indefeso, e diz:
- I’m not sure I’m suppose to give you diapers, you know?
- Yes, - diz um dos toxicodependentes – but our friend needs them for her baby, she has no money, you can help us, can’t you?
Então ela vai buscar umas cinco fraldas e dá-nos, ainda pouco convencida.
- Now please go away. – pede.
- Thank you! – agradecem os toxicodependentes, e saímos dali. – Now let’s get more diapers at some other hospital!
Eu sorrio finalmente nesse dia, e digo-lhes:
– I think this will be enough for today. Tomorrow my mother’s boyfriend will have some money for shopping.
- What about food? Are you hungry? Do you have food for your baby?
- I have food for Luna, but I could eat something.
- So come with us, beautiful girl, we’ll take you to a place where you can eat!
- OK.
E desta vez apanhamos um eléctrico, também sem pagar. Levam-me até uma rua onde nunca estive, com um grande graffiti da cara de uma mulher numa parede. Andamos uns cem metros e entramos num centro social, onde há mais gente com ar de toxicodependente ou de sem abrigo, sentada em sofás ou nas mesas por ali espalhadas. Há uma televisão na parede a transmitir a MTV. Atrás do bar perguntam-me se quero café ou chá, e quantas sandes. Peço uma sandes de queijo e um café com leite e açúcar. Os meus dois amigos viciados em heroína dizem-me que vão andando e desejam-me boa sorte.
- Thank you very much for everything! – agradeço-lhes.
- It’s fine! A beautiful girl like you shouldn’t cry! – responde-me um deles, e vão-se embora.
Fico a comer o meu pão com queijo, e a olhar para a televisão. Começa a dar um vídeo dos Guns & Roses. Eles cantam “Don’t you cry tonight, there’s a heaven above you, baby!” e eu volto a ter vontade de chorar, porque penso que aquela música toca naquele momento especialmente para mim.
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