Micanopy
A Sea preparou o chá e bebemos. Explicou-me que aqueles cogumelos não sabiam tão mal como os outros, mas eu nunca comera nenhum. O chá tinha um sabor predominante a mentol. Depois partimos no descapotável laranja para o pântano. Pelo caminho comecei a sentir–me mole e feliz, e as cores do dia e dos objectos, das nossas roupas e cabelos, de toda a paisagem, tornaram-se mais apelativas, como se antes nunca tivesse reparado devidamente nelas. A Sea guiava, eu ia com ela à frente, e o Sand estava sentado atrás. Quando olhei para ele os seus cabelos esvoaçavam com a velocidade do carro e com o vento, e ondas de cor amarela libertavam-se deles e ficavam a pairar no ar, por cima da estrada, até desaparecerem na distância. Ri-me. Depois imaginei que viajámos dentro de uma abóbora, a qual se deslocava rapidamente a caminho de outra dimensão, soltando um rasto laranja. Não tive muito tempo para me aperceber do que se estava a passar. Senti que entrávamos noutro mundo, que sempre existira à nossa frente, mas o qual não se revelava se não lhe prestássemos a devida atenção. Um mundo paralelo ao nosso. A dimensão em que vivem as crianças e as fadas. De dentro do mais profundo ser do Sand emergiu uma criatura bela que me fez lembrar um elfo, e os cabelos da Sea tornaram-se azuis por cima do seu vestido feito de mar. As cornucópias e flores do meu lembraram-me que eu fora em tempos uma bruxa japonesa da floresta, com longos cabelos negros, que agora retomava ao momento. E a abóbora deslocava-se rapidamente com nós os três lá dentro. Depois o Sand pôs os óculos escuros e havia algo de mosca nele. Uma mosca loura. Porque não? A própria Sea podia perfeitamente ser uma borboleta de tons azuis e asas transparentes, e eu uma espécie de besouro coberto de folhas e flores. Todos a viajar numa abóbora. Fazia perfeito sentido.
Quando chegámos ao pântano o tempo parou de repente, e a Sea e o Sand mexiam-se demasiado rápido, cada vez mais como se de insectos se tratassem. Então senti-me um tanto perturbada e confusa, sem calma suficiente à minha volta para me aperceber do desenrolar dos eventos. O Sand reparou no meu ar imóvel e perguntou-me:
- How do you feel?
- Please stop moving so fast. – pedi-lhe. E depois ri-me e exclamei: - You look so much like a fly!
- Oh, shit! – comentou ele, sorrindo. – You’re already tripping!
E por essa altura eu já não conseguia parar de rir. Tudo me parecia hilariante. A expressão semi-sorridente do Sand com uns enormes olhos de mosca, a Sea a vir ter comigo com o seu vestido cheio de ondas a rebentarem em espuma e os seus cabelos emaranhados como se fossem algas, a nossa abóbora estacionada e cansada daquela viagem tão rápida através das dimensões e eu, confusa e desejosa de uma pausa para o entendimento no meio da velocidade dos acontecimentos, sem conseguir parar de rir ou ter qualquer poder de decisão.
- Are you feeling OK? – perguntou-me a Sea.
- Everything is too fast! – respondi-lhe. – And, at the same time, so slow!
- It’s all right, Lara. – disse-me. – Just enjoy it. We’re all together. You’ve just entered another perception. It’s beautiful, don’t you think?
Disse-lhe que sim e deixei de me preocupar com os ritmos alterados e com a necessidade de controlar fosse o que fosse à minha volta ou dentro de mim, mesmo o facto de continuar a rir, sozinha, sem já saber porquê. Tudo estava bem. Pegámos na cesta que a Sea preparara com fruta e água, e afastámo-nos da nossa abóbora a caminho do pântano.
4 Comments:
Estes textos fazem parte de algum livro teu?
Ou são coisas que aconteceram mesmo?
oi hajile, obrigada pelos comentarios!!
quase todos os textos sao dos meus livros, tirando o ten tiny tales e the whole place was creapy. sao textos autobiograficos, todas as personagens sao verdadeiras, mas ha coisas que so aconteceram na dimensao dos meus sonhos... micanopy nao aconteceu.
Boas,
Lindo texto sobre as percepções que podemos ter do mundo com ajuda do mesmo. Viva a liberdade de criação!
:-)
Enviar um comentário
<< Home